quinta-feira, 14 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2 E A UMBANDA

Saudações leitor, saravá!
Não tenho o hábito de publicar textos de outras autorias aqui no blog, no entanto este texto eu recomendo e faço questão de publicá-lo aqui.
Boa leitura!

Por Júlia de Lucca


Ontem assisti duas vezes ao filme Tropa de Elite 2, saímos da sessão das três e seguidamente entramos na fila da sessão das cinco. Nem com Nosso Lar foi assim! Por quê? Será que nos aprisionamos pelo efeito vertiginal do novo cinema de ação brasileiro? Creio que não, nunca fui muito dada a esse gênero. Uma coisa que precisamos admitir, com muita alegria, é que, seja em Carandiru, Cidade de Deus, Tropa de Elite e mesmo Nosso Lar, a arte cinematográfica brasileira está se dedicando a dar a conhecer ao próprio brasileiro segmentos de sua realidade, fazendo-nos entender que de algum lado precisamos estar, alguma posição precisamos tomar. Os filmes saíram de uma atmosfera pequeno-burguesa e adquiriram fôlego consciencial, e me têm chego como presentes que pretendem mostrar um cenário maior do que aquele que sozinhos, ou organizados em nossos pequenos grupos cotidianos, podemos perceber.

O que me fez querer mais do Tropa 2 foi ter uma segunda chance de perceber os detalhes da engrenagem de um sistema que aparece a nós cotidianamente apenas em segmentos, vultos, sombras, hipóteses, e que lá na tela estavam tão clara e logicamente articulados, a ponto de alcançarem em cheio o estômago, a mente e (por que não) o espírito do espectador. Impossível sair ileso, sair intocado pelo senso crítico, pela vontade de justiça, pela necessidade de transformação.

Esse sentimento afirma novamente pra mim a força e a grandeza da Umbanda em minha vida e até na vida da nação brasileira. Discurso de fanático religioso? Fuga de uma realidade desagradável por meio da ideia do mundo dos espíritos? Não creio, pois o caminho de meus pensamentos foi inverso ao daquele que busca em tudo razões para justificar sua fé. Quando entrei na sala de cinema tinha a plena convicção de que dedicaria algumas horas de meu dia a um pouco de cinema, feito por homens, sobre o mundo dos homens, para os homens, apenas isso. Foram os insights que o filme me proporcionou, aliados à profunda necessidade de agir, que me remeteram à amada Umbanda.

Como?

Pense no verbo AGIR. Agora olhe a sua volta e veja por onde pode começar. Partidos políticos? ONGs? Trabalho voluntário? Caridade material? Todas alternativas válidas, e positivas, mas nenhuma delas está livre de dar manutenção aos males que as fazem necessárias: corrupção, injustiça, desigualdade, violência, miséria. Acredito que sejam práticas que busquem amenizar um grande mal instalado, mas a história nos mostra que nenhuma delas foi suficiente para desmantelar esse mal instalado, se formos um pouco pessimistas (realistas) podemos notar até que dão forças à própria estrutura do mal, por mais boa vontade que possamos ter.

Para tanto, este nosso mundo precisa reinventar sua estruturas, e apenas um homem reinventado – vários homens reinventados – podem fazê-lo. A reinvenção exige que busquemos novos modelos, modelos de pensar, de ser, de agir, enfim, modelos de paz e igualdade, que não creio poderem chegar a nós sem a inspiração, e mesmo participação efetiva, dos nossos irmãos maiores, nossos guias de luz, o amado povo de Aruanda. O caboclo como mestre da retomada ao natural, ao essencial, ao coração; o preto-velho como imagem da resistência pacífica, da sabedoria e da experiência no mundo dos homens; os baianos e boiadeiros, como apontadores dos caminhos do trabalho dignificante, da alegria renovadora, da magia, do amor a sua terra e a seu povo; os marinheiros, como trabalhadores de limpeza, de vitalidade; os guardiões e guardiãs, como detentores do vigor e estímulo necessários à autodefesa e à boa luta. Há ainda os erês, ciganos, exu-mirins, orientais, pajés, cada um a sua maneira nos mostrando como fazer melhor, como fazer para o melhor.

Logo notei que esta tão necessária transformação será mais eficaz quanto silenciosa, mais vitoriosa quanto humilde; pois ela passa por cada médium que, cotidianamente, veste seu uniforme e dedica um pouco de seu tempo à prática mediúnica de qualidade e, além disso, norteia seus atos e palavras pelo que colheu nessa prática. Esse exército silencioso, enquanto é desacreditado pelo preconceito e pelo medo, edifica os sete pilares dos fatores divinos que, sob a luz de Aruanda, sustentarão o mundo do homem. Para isso cada um de nós, ainda que acanhadamente, trabalha.

Não saí profundamente triste do cinema porque não me senti, talvez como boa parte dos espectadores brasileiros, refém de um mundo cão, marionete dos jogos dos poderosos e mesquinhos. Saí sim, fortalecida para a silenciosa luta, revigorada para batalhas vindouras, porque sou da nação do povo de santo.

Saravá Umbanda!

2 comentários:

Ariston Bruno disse...

Olá, Julia.
Poxa, eu imaginei que cê seria jornalista logo, logo, mas não imaginei esse talento todo =)
Muito bom o texto.
Uma resenha digna dos grandes mestres da caneta.

Célio Aureliano disse...

Alma Iluminada! Que Deus, o Grande Arquiteto do Universo, Lhe Conserve assim: Clareando às trevas!

Paz e Bem!